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domingo, 7 de março de 2010

Vermelhos - A Sofisticação do Simples - por Camilo de Lélis.

Vermelhos - A Sofisticação do Simples


Néstor Monasterio é um dos poucos encenadores que despontaram em
Porto Alegre no final da década de 70 do séc. XX, que ainda continua
produzindo. Com menos frequência, penso eu, mas, felizmente, ele aí
está. Monasterio tem na sua assinatura algo muito peculiar, singular,
único, e quem o acompanha, se atento observador, tem de reconhecer:
é artista de Teatro, e dos melhores. Assisti recentemente à sua
realização VERMELHOS: HISTÓRIA E PAIXÃO, feita em homenagem
ao centenário do Sport Club Internacional. A encenação é bordada sobre
o bastidor de um ótimo texto de Arthur Pinto, dramaturgo que atingiu
nessa escrita seu maior e mais equilibrado voo. A trilha sonora com
belos clássicos da música brasileira, muita bem utilizada, é
encantadora. O figurino de Daniel Lion encontra o equilíbrio entre a
fidelidade à época, a beleza e a eficácia cênica. O cenário de Rodrigo
Lopes é tão eficiente quanto simples. Por se tratar de uma novela
cênica (categoria que inventei para designar certa qualidade de teatro
épico, a exemplo de duas direções anteriores, nesse estilo, que Néstor
dirigiu: Rasga Coração e Bella Ciao), esta peça caiu como uma luva
para a perícia monasteriana em fazer carnavalização, flash-back e
outras polifonias. Coisa requintada. Sofisticada. Mas, a um só tempo,
extremamente simples. A história da peça VERMELHOS começa no
alvorecer do século XX com um jovem imigrante italiano apaixonado
por futebol, e narra as vicissitudes dessa personagem, sua vinda de
S. Paulo para nossa cidade como jornalista, e a criação de um time
que veio a ser uma das faces de nossa bipolar identidade esportiva
- o Internacional. Néstor soube tirar proveito da paixão dupla de seu
elenco - por teatro e pelo time do coração - e, com isso, obteve um
rendimento raro em termos de equipe. Os atores, a maioria com nome
já reconhecido em nosso meio teatral, estão afinadíssimos, a ponto de
nenhum se sobressair aos demais e, cada um por sua vez, fazer suas
jogadas individuais com virtuosismo. O público aplaude mais de uma
vez em cena aberta, seja pela piada do texto, seja pelo achado estético do
diretor. As cenas que mostram o carnaval ao estilo de Veneza, com suas
máscaras, remetem a alguns recursos oníricos do último filme de
Kubrick: "De Olhos Bem Fechados". Porém, opondo às vestes escuras da
película, Néstor utiliza no figurino tons claros e, com isso, consegue
uma maior leveza na interessante ambiguidade entre o que é mostrado e
o que é apenas sugerido. As marcações nestorianas clássicas de grupos
cruzando ao fundo, enquanto a narrativa está à frente na figura dos
protagonistas, aliadas a uma musicalidade nostálgica, são momentos que
levam o espectador a encontrar-se com o sublime.
Como não dizer os nomes dessa gente boa que nos comove em cena; José
Victor Castiel com a emoção extravasando por todos os poros; Oscar
Simch com tipos otimamente superpostos à sua figura carismática;
Rogério Beretta que colocou seus dotes cômicos a serviço da emoção
controlada, obtendo credibilidade e empatia da platéia; Álvaro Rosa
Costa numa interpretação múltipla e magnífica; Gustavo Razzera, o
protagonista, que compõe um herói romântico inesquecível e William
Martins que chama a atenção do público, positivamente, quando surge
numa figura mascarada perturbadora. Simone Rasslan, Suzi Martinez e
Sofia Schul, além de cantar e dançar, representam com grande
credibilidade as mulheres dessa e de outras épocas. Falei bastante e
não disse tudo, é preciso que vejam para crer no meu entusiasmo. O
diretor e iluminador, Néstor Monasterio, está num momento iluminado.
Parabéns, mestre. Quando voltar em cartaz não dá para perder. E isso
que nem sou colorado!

Camilo de Lélis

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