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terça-feira, 30 de março de 2010

30/03/2010

Impressões de Rodrigo Monteiro sobre o espetáculo "Xaxados e Perdidos".


Xaxados e Perdidos

Foto: Cláu Paranhos


Que não se vai


Acho que já disse aqui, mas não custa lembrar: para mim, as categorias são meramente analíticas. Elas não existem e, se um dia existiram, hoje vêm, fazem sentido e vão embora. Se nesse passado era fácil, agora é cada vez mais difícil dizer “isso é teatro”, “isso é dança”, “isso é crítica”, “isso é comentário”, “isso é desabafo”, “isso é verdade”, ... Sinto como se a internet tivesse feito do mundo uma grande sopa. Uma sopa que é oposta ao tempo em que, no prato, se conseguia separar o feijão do arroz, a salada era posta em outro prato, a carne vinha por último. Ainda há códigos felizmente! E são eles que nos fazem olhar para o prato e saber (mais ou menos) o que estamos comendo. Olhar pro evento e ter alguma idéia do que vestir. Olhar para o interlocutor e pensar como falar.

Me parece difícil falar de teatro em
Xaxados e Perdidos, uma vez que o espetáculo recupera pouco do que tem sido acumulado até hoje dessa arte. Seria mais fácil falar dele como espetáculo de música, mas aí meu conhecimento tão escasso sobre isso não me autorizaria a falar muito. Então, quem sabe se eu não falasse e só lembrasse?

Porque tenho vontade de lembrar:
Alvaro Rosacosta e Beto Chedid, liderados por Simone Rasslan, são pessoas de teatro. São pessoas de música. Pessoas de arte. São pessoas de família. Maridos, esposas, pais, mães e filhos. São produtores, motoristas, bebem água e respiram. São isso tudo. E isso tudo os faz humanos. Sendo eu também alguém humano, a lembrança fica singela, mas não significativa. Só a diferença significa. E a diferença é a capacidade do trio de, com um espetáculo, nos fazer sonhar.

De uma forma muito sensível, Lúcia Bendati escreveu:

Terceiro sinal. Senhores passageiros, apertem os cintos. Seremos transportados para outra atmosfera. Aqui e agora, bastando para isso abrir-se e tornar-se disponível para absorver os acordes que do palco irão brotar. E entra em cena o trio - como se não bastasse a competência musical - mais simpático e harmonioso que eu me lembro ter visto nos palcos daqui. Começam à capela um "padabadá" harmônico. E Simone Rasslan se encaminha para o teclado. Beto Chedid e Alvaro Rosacosta colocam-se junto a seus vários instrumentos também. E está feito. Criado um novo mundo, uma nova energia.”

Então, sonhei que era brasileiro.

Há dezessete anos, não vou ao Mato Grosso do Sul. Na última vez em que fui, voltei sem malas. Eu havia dado tudo aos meus primos, parte da minha família que ainda hoje passa por bastante necessidade lá. O registro negativo nunca mais me abandonou e jamais quis voltar. Nunca mais vi o meu avô. E só vi minha vó porque ela, quando viva, vinha frequentemente para Porto Alegre. “Xaxados e Perdidos” me deu vontade de ir ao Mato Grosso, ver meu avô, meus tios e meus primos. Voltar.

Cantei “
Num Rio de Piracicaba” e lembrei do meu pai quando tocava violão. Voltar.

Cantei “
Calix Bento” e me vi cantando no Coral da Igreja de Gravataí ainda adolescente. Voltar.

Lembrei. Viajei a esse novo mundo, a essa nova energia e descobri ser ela nova somente por estar em oposição à atual. À velha. Porque velha e nova, como também virtual e atual também só são categorias. Também se vão tão logo nos ajudam a fazer sentido. E fazer-nos sentido. E fazer-nos sentir.

Alguém comentou que o registro de mim mesmo aqui é uma demonstração do meu ego elevado. É. Porque a boca que canta na platéia é minha. Porque a mente que voa é minha. Porque quem lembra sou eu. E dizer que cantei, que voei e que lembrei de coisas é agradecer a quem fez “Xaxados e Perdidos” pela oportunidade de voar, de lembrar, de voltar também. E quem fez e faz “Xaxados e Perdidos” não fui/sou eu.

Então, agradeço (sempre em primeira pessoa) aos envolvidos nesse belíssimo espetáculo que haverá de voltar a cartaz muitas vezes para o deleite público. Agradeço pela escolha do repertório ( Pixinguinha , Almir Sater, Egberto Gismonti, Tião Carrero, Giba Giba e Dorival Caymmi, além de preciosos desconhecidos...) que faz conhecer músicas tão belas, tão diferentes da nossa cultura sulista, mas tão brasileiras como nós todos. Agradeço pela delicadeza da luz, do cenário e do figurino: simples, humano, adequado, adjuvante. Pela execução das músicas e pela interpretação dos personagens que através delas cantam e contam suas histórias. Pela acolhida na recepção, por ter atendido ao solicitado Bis, pela participação do Coral do Colégio Santa Rosa de Lima na platéia que deixou-nos (também platéia) ainda mais confortáveis.

E agora só me resta voltar a citar Bendati, outra que voou, que viajou, que deve ter lembrado, e que também agradece.

“Então me resta agradecer, mais uma vez. E desejar vida longa ao "Xaxados...". E que não se percam dos nossos palcos, pois quero viver isso mais vezes.
Muitas vezes!”


E me despedir já acumulado das novas energias, essas que nunca se vão.



*


Ficha Técnica:


Concepção: Simone Rasslan
Arranjos: Simone Rasslan, Alvaro RosaCosta e Beto Chedid
Direção de Cena: Alvaro RosaCosta
Som: Sasandro
Luz: Bathista Freire
Cenário: Álvaro Villa Verde
Figurino (Simone): Madalena Rasslan Fischer
Confecção: Alaci Costa
Flor: Liane Venturella

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