Radar Cultura

...Tudo passa...

A fome...ira...desejo...felicidade...medo...tempo.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Crítica "DentroFora"espetáculo com Liane Venturella e Nelson Diniz.

23/11/2009

Dentrofora

Foto: Gilberto Chaves



Como o azul

Encontrar é um verbo de ação. Quando você encontra algo, você está num lugar. O objeto ou a pessoa encontrada estabelece ou mantém uma relação com você. Isso tudo acontece num ritmo, num tempo. Encontrar não é necessariamente um ponto fixo. O encontro dura um segundo, uma hora, uma vida... E uma vida nem sempre é uma ação. Encontrar não só representa uma ação.

“– Você acha que vamos encontrar?"

Hide and Seek, ou “Dentrofora” começa com essa frase. Um casal de personagens presos em caixas envidraçadas. Modelos, manequins, estereótipos? Que personagens são esses que nunca se vêem porque estão em caixas separadas, sem comunicação visual entre elas? Que espécie de encontro é esse que um deles almeja a perguntar isso no início, e outro no fim? Dentrofora, novo espetáculo do Grupo In.co.mo.de-te, não é, talvez até nenhum seja, um espetáculo de respostas. Mais que tudo, estão claras as perguntas. Perguntas feitas à nós, cujas respostas fazem com que Jimmy veja Marie. Sem elas, o casal não é um casal. Há tempos que não se via uma história que depende tanto dos ouvintes, mais que dos contadores, mais do que dos fatos. “Dentrofora” não tem ação dramática. E não é chato. Nada chato. O mérito de Carlos Ramiro Fensterseifer, o diretor, não está em cuidar de todos os detalhes e levá-los ao potencialmente máximo sem burramente almejar o inalcançável todo. Isso é dever cumprido. O seu melhor é permitir que nós, a platéia, aproximemos o todo de quem a ele se refere. Cada signo (cor, forma, movimento, intenção manifesta) está arregimentado: azul que é tão azul que está em todas as cores, como diz, mais ou menos assim, Paul Auster, nesse texto de 1976. Nesse sentido, a peça, de um modo geral, fala de tudo, de todos, de mim e de vários eus. Você se indentifica e vê outras pessoas também, novas situações, pensa e sente. E atualiza, por indicação do autor, “Dias Felizes”, de Becket. A história que se conta sobre o prazer/desprazer de outras histórias.

Liane Venturella e Nelson Diniz são dois dos melhores atores da capital gaúcha. Praticamente parados em cena, atraem nossa atenção pela forma dinâmica com que usam a voz bem pontual e cheia de movimentos. As intenções faciais, mínimas, ganham vida nos corpos tão experientes, talentosos e estudados desses dois grandes artistas. Adequada e lindamente vestidos, sob focos de luz extremamente interessantes e bem usados, Venturella e Diniz são os fatos da história sem ação quem contam. Interpretações inesquecíveis, num texto célebre, numa montagem tão bem dirigida, produzida e oferecida ao público daqui. A trilha, apesar de tudo ter sido tão bom, merece um destaque pela força que dá não na história que sai do palco, mas na história que chega a platéia. Coordenada (composta?) por Alvaro RosaCosta, os acordes sublinham o que virá e o que veio, sem ocupar o espaço do que está. Entradas certas, volume adequado, tons que grudam ao ouvido e que arrastam as palavras de Auster e de Fensterseifer. Se algo lidera todos os elementos, para mim, é a música quem embala o tempo que dura esse encontro nesse espetáculo que não fala sobre como ele ocorreu, nem como ele deixou de ocorrer.

- A vida segue conosco ou sem nós.

*

Direção: Carlos Ramiro Fensterseifer

Elenco:
Liane Venturella
Nelson Diniz

Iluminação: Cláudia De Bem
Trilha Sonora Original: Alvaro RosaCosta
Figurinos e Maquiagem: Rodrigo Nahas
Produção e Assistência de Direção: Denis Gosch
Divulgação: Léo Sant’Anna
Design Gráfico: Rodrigo Nahas

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Crítica de Antônio Hohlfeldt ao nosso Cd "Na trilha da fantasia""

Antônio Hohlfeldt


2/1/2009
Ouvindo trilhas sonoras


No conjunto de iniciativas que o Teatro Novo vem promovendo para marcar a passagem de seus 40 anos de vida, uma das ideias mais sensíveis e inteligentes foi o lançamento de um CD com as trilhas sonoras de algumas das peças infantis de maior significado para o conjunto do DC Navegantes. Assim, Na trilha da fantasia reúne 19 passagens musicais selecionadas de peças como Pinóquio, Histórias da Bruxa Boa, Sonho, só Sonho, O Menino da Cabeça de Cebola, Rapunzel, o Musical, O mágico de Oz, A Bela e a Fera, Peter Pan, Cinderela e O Patinho Feio, possibilitando que a gurizada recorde alguns dos momentos mais emocionantes ou engraçados, mas também algumas passagens mais dramáticas ou mais significativas, do ponto de vista dos enredos desenvolvidos.
Revisitar essas trilhas sonoras nos permite avaliar, por exemplo, a grande contribuição de Álvaro Rosacosta, como compositor, sobretudo autor de letras, ao lado de Simone Rasslan como compositora, do próprio Ronald Radde ou de outros autores chamados a contribuir com o Teatro Novo, como Eduardo Prates, Paulo Nascimento ou Rui Vanti. Com isso, o Teatro Novo tem garantido variedade de composições, de ritmos, de melodias muito variadas, que evitam as repetições e, evidentemente, garantem a criatividade.
Passamos por melodias profundamente líricas, como Rapunzel na torre, de Álvaro Rosacosta, até a engraçada Cocô rebolado, baseado em história de Lya Luft. Podemos encontrar clássicos como o quarteto de Para Oz ou o sensível Encontro, de A Bela e a Fera, e assim por diante. Cada composição adapta-se à linha do espetáculo - como deve ser, aliás - dando-lhe uma espécie de identidade que nasce já na trilha musical, mas se espalha por todos os elementos que integram o trabalho, como o figurino, o cenário, a linha de interpretação e, claro, toda a linha de direção.
A trilha sonora de qualidade não é aquela que interrompe a intriga, parando toda a ação dramática, mas aquela que ajuda a conduzir a ação, ora introduzindo um novo personagem, ora ajudando a caracterizar uma cena, quer antecipando-a, quer criando-lhe um clima. O que se verifica nas peças de Ronald Radde é um duplo cuidado: de um lado, atende-se a esta necessidade, de maneira a integrar plenamente a trilha sonora no conjunto das ações em cena; de outro, procura-se apresentar uma canção-tema que, quer pelo poema, quer pelo ritmo melódico, torna-se fácil de ser memorizada pelo ouvinte. No caso das crianças, isso é tanto mais importante porque a empatia gerada pela música aproxima os pequenos do próprio espetáculo, facilitando sua comunicabilidade e até mesmo sua compreensibilidade.
Ao longo de pouco mais de meia hora de rodagem do CD aproveitei para relembrar cenas, recuperar a memória dos espetáculos infantis e, sobretudo, refletir a respeito da importância que o Teatro Novo tem para a cena dramática de Porto Alegre. Ronald Radde que, como já registrei em outra ocasião, estreou como dramaturgo, muitas vezes deixou de lado sua talvez principal vocação para responder pela direção de seus próprios espetáculos. Olhando-se para trás, ao longo de toda essa longa jornada, verifica-se o quanto ele amadureceu e avançou na concepção do espetáculo, o quanto buscou esmerar-se e responder às necessidades colocadas ano a ano para a cena teatral, na medida em que novas tecnologias passaram a desafiar o teatro.
No entanto, nada fica mais evidente, no caso dos espetáculos de Ronald Radde, do que o trabalho desenvolvido na área infantil. Daí que este CD, mais do que uma lembrança dos espetáculos, é também um documento da evolução e das diferentes experiências por que passaram o Teatro Novo e seu diretor, Ronald Radde, os diferentes integrantes de sua equipe e, por que não dizer, a essas alturas, as diferentes gerações de espectadoras que encontraram, nos espetáculos do Teatro Novo, diversão, entretenimento e algum aprendizado.
Por tudo isso, eis aí um bom presente e um excelente registro.